Friday, July 20, 2007

Memórias de minhas putas tristes-Gabriel García Márquez


"No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quanto tinha alguma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma de suas muitas tentações obscenas , mas ela não acreditava na pureza de meus princípios. Também a moral é uma questão de tempo, dizia com um sorriso maligno, você vai ver. Era um pouco mais nova que eu, e não sabia dela fazia tantos anos que podia muito bem estar morta. Mas no primeiro toque reconheci a voz no telefone e disparei sem preâmbulos:

- É hoje."(pag. 1)


"Saí radiante para a rua e pela primeira vez me reconheci no horizonte remoto do meu primeiro século. Minha casa, calada e em ordem às seis e quinze, começava a gozar das cores de uma aurora feliz. Damiana cantava a toda na cozinha, o gato redivivo enroscou a cauda em meus tornozelos e continuou caminhando comigo até a minha mesa de escrever. Estava organizando meus papéis murchos, o tinteiro, a pena de ganso, quando o sol explodiu entre as amendoeiras do parque e o barco fluvial dos correios, atrasado uma semana por causa da seca, entrou bramando no canal do porto. Era enfim a vida real, com meu coração a salvo, e condenado a morrer de bom amor na agonia feliz de qualquer dia depois dos meus cem anos."(pag. 127)

No comments:

Blog Archive