Friday, July 23, 2010

O lustre- Clarice Lispector


"Ela seria fluida durante toda a vida. Porém o que dominara seus contornos e os atraíra a um centro, o que a iluminara contra o mundo e lhe dera íntimo poder fora o segredo. Nunca saberia pensar nele em termos claros temendo invadir e dissolver sua imagem. No entanto ele se formara no seu interior um núcleo longínquo e vivo e jamais perdera a magia- sustentava-a na sua vaguidão insolúvel como a única realidade que para ela sempre deveria ser a perdida. Os dois se debruçavam sobre a ponte frágil e Virgínia sentia os pés vacilarem de insegurança como se estivessem soltos sobre o redemoinho calmo das águas. Era um dia violento e seco, em largas cores fixas; as árvores rangim sob o vento morno crispado de céleres friagens. O vestido ralo e rasgado de menina era atravessado por estremecimentos de frescura. A boca séria premida contra o galho morto da ponte. Virgínia mergulhava os olhos distraídos nas águas. De súbito imobilizara-se tenta e leve: - Olhe!"(pagina 07)

"A impossiblidade e o mistério cansaram com força seu coração. Adriano sentou num banco do jardim, mal se apoiva ao seu encosto. Os olhos entrefechados olhavam para a distância, e ele respirava dificilmente com surpresa e cólera. Com o lenço alisou devagar a testa dura e fria. E de súbito não saberia se era de gelado êxtase ou de sofrimento intolerável- porque nesse único instante para sempre ele a ganhara e a perdia- de súbito, numa primeira experiência da vergonha, ele sentiu dentro de si um movimento horrivelmente livre e doloroso, um vago ímpeto de grito ou choro, alguma xoisa mortal abrindo no seu peito uma clareira violenta que talvez fosse um novo nascimento.' (página 239)

LISPECTOR, Clarice. O lustre. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1982.

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