Saturday, August 04, 2007

Palavras

Autran Dourado escreveu um livro chamado Uma poética de romance, no qual desnuda o fazer literário. Segundo ele, escrever se compara ao exercício da carpintaria. O autor escreve o texto e depois vai tirando as "lascas", escolhendo as palavras que possam causar um impacto no leitor.
Assim, temos em Gabriel García Márquez, por exemplo, a palavra amendoeira, que aparece várias vezes em seus romances.
Em O risco do bordado, do mesmo Autran há um exemplo interessante de seleção vocabular:

"Respirava-se mal, o ar mesmo se tornou oleoso. E o óleo daquela morte escorria pelas paredes, pelos muros, pelo chão. Manchava os cadernos, os livros, as roupas mofadas nos armários. Na testa de João porejava um suor pegajento que lembrava a febre e a agonia oleosa de tio Maximo.(...)E o óleo escorria pelas paredes suadas, pelas ruas, pelos trilhos da Mogiana, pelas estradas, virava um rio grosso, ia bater em Duas Pontes, inundava as casas, a cidade inteira. Vovô Tomé tentava salvar a família, os bichos de criação e todos os pertences, numa arca que ia aos poucos subindo na barriga daquele mar de óleo que engrossava sem parar".(RB 34)

Algumas palavras são bonitas pela sonoridade,pelo significado ou ambos os casos. Duas comunidades do Orkut, Palavras bonitas e Palavras feias do Português tratam disso. Escolhi dez palavras que os membros citaram lá para fazer o top 10 abaixo:

Palavras bonitas/ Palavras feias

01- borboleta - fronha
02- caralho - purunga
03- lisérgico- lagarto
04- estereótipo- catarata
05- solidão- bodega
06- melancolia- úbere
07- leveza - papete
08- essência - extrusar
09- esqueleto- condão
10- silêncio - unha

Algumas bonitas são top, como por exemplo, "solidão" e "ilusão". As mais feias, muitas vezes, estão relacionadas ao som, como as terminas em "éia", "anho". Outras podem ser consideradas feias por carregarem um significado muito negativo, como é o caso de palavras que denominam doenças. Afinal, há palavra mais feia que "cancro"?

O caçador de pipas- Khaled Hosseini


"Eu me tornei o que sou hoje aos doze anos, em um dia nublado e gélido do inverno de 1975. Lembro do momento exato em que isso aconteceu, quando estava agachado por detrás de uma parede parcialmente desmoronada, espiando o beco que ficava perto do riacho congelado. Foi há muito tempo, mas descobri que não é verdade o que dizem a respeito do passado, essa história de que podemos enterrá-lo. Porque, de um jeito ou de outro, ele sempre consegue escapar. Olhando para trás, agora, percebo que passei os últimos vinte e seis anos da minha vida espiando aquele beco deserto."pag. 09


"Mas me agarrei àquilo. Com os braços bem abertos. Porque, quando chega a primavera, a neve vai derretendo floco a floco, e talvez eu tivesse simplesmente testemunhando o primeiro floco que se derretia.

Saí correndo. Um adulto correndo em meio a um enxame de crianças que gritavam. Mas nem me importei. Saí correndo, com o vento batendo no rosto e um sorriso tão grande quanto o vale do Panjsher nos lábios.

Saí correndo."pag 365

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