Saturday, June 30, 2007

Ópera dos mortos- Autran Dourado


"O senhor querendo saber, primeiro veja:

Ali naquela casa de muitas janelas de bandeiras coloridas vivia Rosalina. Casa de gente de casta, segundo eles antigamente. Ainda conserva a imponência e o porte senhorial, o ar solarengo que o tempo todo não comeu. As cores das janelas e da porta estão lavadas de velhas, o reboco caído em alguns trechos como grandes placas de ferida mostra mesmo as pedras e tijolos e as taipas de sua carne e ossos, feitos para durar toda a vida; vidros quebrados nas vidraças, resultado do ataque da meninada nos dias de reinação, quando vinham provocar Rosalina(não de propósito e ruindade, mais sem-que-fazer de menino) , escondida detrás das cortinas e reposteiros; nos peitoris das sacadas de ferro rendilhado formando flores estilizadas, setas, volutas, esses e gregas, faltam muitas das pinhas de cristal facetado cor-de-vinho que arrematavam nas cantoneiras a leveza daqueles balcões."Pag. 1


"O carro partiu barulhento, deixando atrás de si uma nuvem de poeira. Lá se ia Rosalina para longes terras. Lá se ia Rosalina, nosso espinho, nossa dor."Pag. 211

Friday, June 22, 2007

Lavoura arcaica- Raduan Nassar


"Os olhos no teto, a nudez dentro do quarto; róseo, azul ou violáceos, o quarto é inviolável; o quarto é individual, é um mundo, quarto catedral, onde, nos intervalos da angústia, se colhe, de um áspero caule, na palma da mão, a rosa branca do desespero, por entre os objetos que o quarto consagra estão primeiros os objetos do corpo; eu estava deitado no assoalho do meu quarto, numa velha pensão interiorana, quando meu irmão chegou pra me levar de volta;"(pag. pag. 9)


"(Em memória de meu pai, transcrevo suas palavras: 'e, circunstancialmente, entre posturas mais urgentes, cada um deve sentar-se num banco, plantar bem um dos pés no chão, curvar a espinha, fincar o cotovelo do braço no joelho, e, depois, na altura do queixo, apoiar a cabeça no dorso da mão, e com olhos amenos assitir ao movimento do sol e das chuvas e dos ventos, e com os mesmos olhos amenos assitir à manipulação misteriosa de outras ferramentas que o tempo habilmente emprega em suas transformações, não questionando jamais sobre os seus desígnios insondáveis, sinuosos, como não se questionam nos puros planos das planícies as trilhas tortuosas, debaixo dos cascos, traçados nos pastos pelos rebanhos: que o gado sempre vai ao poço'.)"(pag. 195 e 196)

Friday, June 15, 2007

Servidão Humana(William Somerset Maugham)


"O dia rompeu cinzento e triste. As nuvens pairavam pesadamente, e havia no ar certa aspereza que era uma promessa de neve. Penetrando no quarto em que dormia uma criança, a criada cerrou as cortinas, após lançar um olhar maquinal à casa fronteira, um prédio revestido de estuque com colunas no portal, e caminhou em direção ao leito.

- Acorde, Philip- disse ela."(pag. 09)



"Ele sorriu. Tomou-lhe da mão e apertou-a. Levantaram-se e saíram da galeria. Ficaram por um momento na balaustrada, a olhar para Trafalgar Square. Táxis e ônibus deslizavam rápidos para baixo e para cima.Gente passava em todas as direções. O sol brilhava."(pag. 563)

Friday, June 08, 2007

Começo e fim de um romance (Germinal, Émile Zola)


"Na planície rasa, sob a noite sem estrelas, de uma escuridão e espessura de tinta, um homem caminhava sozinho pela estrada real que vai de Marchiennes a Montsou, dez quilômetros retos de calçamento cortando os campos de beterraba. À sua frente, não enxergava nem mesmo o solo negro e somente sentia o imenso horizonte achatado através do sopro do vento de março, rajadas largas como sobre um mar, geladas por terem varrido léguas de pântanos e terras nuas. Nem sombra de árvore manchava o céu; a estrada desenrolava-se eta como um quebra-mar em meio à cerração ofuscante das trevas."(pag. 11)


"Aos raios chamejantes do astro rei, naquela manhã de juventude, era daquele rumor que o campo estava cheio. Homens brotavam,um exército negro, vingador, que germinava lentamente nos sulcos da terra, crescendo para as colheitas do futuro, cuja germinação não tardaria em fazer rebentar a terra."(pag. 537)

Tempos verbais

Eu bloqueei a senha do cartão: tempo passado.
Eu bloqueio a senha do cartão: tempo presente.
Eu fico no banco esperando para desbloquear: tempo perdido.

Monday, June 04, 2007

Começo e fim de um romance(Bufo & Spallanzani, Rubem Fonseca)


"'Você fez de mim um sátiro (e um glutão), por isso gostaria de permanecer agarrado às suas costas, como Bufo, e, como ele, poderia ter a minha perna carbonizada sem perder esta obsessão."

...

"Se você quiser eu vou agora mesmo contar tudo ao Guedes, vou me entregar à polícia. A vida para mim já não vale mais nada. Você quer? Anda, diga."

Sunday, June 03, 2007

Começo e fim de um romance(O amor nos tempos do cólera, Gabriel García Márquez)




"Era inevitável: o cheiro de amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados. O doutor Juvenal Urbino o sentiu logo que entrou na casa ainda mergulhada em sombras, à qual chegara acudindo a chamado de urgência para se ocupar de um caso que para ele tinha deixado de ser urgente há muitos anos. O refugiado antilhano Jeremiah de Saint-Amour, inválido de guerra, fotógrafo de crianças e seu adversário de xadrez mais compassivo, se havia posto a salvo dos tormentos da memória com uma fumigação de cianureto de ouro."(Pag. 09)

"- E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho?- perguntou.
Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinqüenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites.
-Toda a vida- disse."(Pag. 429)

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